Bispos portugueses levam a Roma proposta de uma Igreja mais aberta às mulheres e aos ex-padres
A moral sexual, o celibato obrigatório e o maior envolvimento de ex-padres casados e das mulheres são as questões que a Igreja Católica não deve ter medo de encarar, segundo os bispos portugueses.
A Igreja Católica deve continuar a olhar de frente as questões que “ainda causam dúvida, controvérsia ou desacordo na vida da Igreja”, como sejam a moral sexual, o celibato dos padres, o envolvimento de ex-padres casados e a possibilidade de ordenação sacerdotal das mulheres. O desafio está contido no relatório da segunda fase do processo sinodal, elaborado a partir dos contributos das dioceses e de outros organismos eclesiais portugueses, que já foi remetido à Secretaria-Geral do Sínodo, para ser discutido na segunda sessão sinodal, no mês de Outubro, em Roma.
Reconhecendo que estas são “questões fracturantes” e causadoras de desacordo dentro da Igreja, os bispos portugueses propõem que se aproveite o próximo encontro mundial de bispos católicos promovido pelo Papa Francisco para se aprofundarem as razões por detrás da resistência à mudança nestas matérias.
Num exercício de quase mea culpa, a Igreja portuguesa reconhece no documento que o clericalismo continua a ser um dos pecados da instituição. “O clericalismo que, entre outros aspectos, se manifesta numa concepção de privilégio pessoal, num estilo de poder mundano e na recusa a prestar contas, é um obstáculo sério ao exercício de um ministério ordenado autêntico”, lê-se no documento divulgado esta quinta-feira, onde o episcopado português conclui que “combater a clericalização do laicado passa muito pela rotatividade nas lideranças e pelo desenvolvimento de metodologias de participação comunitária”.
Entre sugestões como a da criação da figura do “coordenador pastoral”, capaz de assegurar a ligação entre o padre e a comunidade, os bispos concordam na necessidade de abrir a acção da Igreja aos domínios da saúde mental (dependências, ansiedade, depressão, solidão…), bem como aos que atravessam um período de luto e às “pessoas que recuperam de situações de aborto, desempregados, refugiados, imigrantes…”. Este caminho deve ser feito por via de uma escuta “activa e empática, sem posturas de superioridade intelectual, moral ou eclesial".
Quanto às mulheres, o documento reconhece “a importância de valorizar o papel das mulheres na vida eclesial e assegurar que possam participar nos processos de decisão, assumindo papéis de liderança, especificamente nos conselhos pastorais e económicos”.
Assim, e tendo em vista a meta da paridade dentro da Igreja, esta deve reconhecer “explicitamente o contributo crucial das mulheres, não apenas na pastoral e nos ministérios, mas também na missão da Igreja junto das comunidades”. Mas, logo no parágrafo seguinte, ressalvam que “homens e mulheres são complementares e não precisam de ser iguais na sua participação na vida eclesial e ministerial”, o que pode ser entendido como uma resistência à ordenação das mulheres.
Este documento que foi remetido a Roma é, de resto, menos acutilante do que aquele que o presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, D. José Ornelas, levou, em Fevereiro de 2023, a Praga, na República Checa, onde decorreu a assembleia continental europeia do sínodo dos bispos.
Nesta primeira versão, que sintetizava a auscultação das bases da Igreja portuguesa, reclamava-se mais abertamente uma maior abertura não só às mulheres, mas também às famílias monoparentais e aos divorciados recasados, bem como a casais do mesmo sexo.
Na altura, a síntese foi criticada pelos sectores mais conservadores da Igreja Católica portuguesa, o que ajudará a explicar que este segundo documento, sendo resultado da auscultação aos bispos, adopte uma linguagem mais moderada.
No capítulo dedicado ao papel dos padres, o documento alerta para que a promoção da “participação laical não deve ser assumida como uma substituição do papel dos padres nas comunidades” e pedem “uma atenção específica à solidão e isolamento a que estão sujeitos os padres”.
Quanto às missas, que continuam a ser, para muitos cristãos, “a experiência básica da sua pertença à Igreja”, é da “máxima importância” que sejam celebradas “de forma mais cuidada, organizada e participada”. Mas, mais do que isso, “importa ter em conta que a linguagem litúrgica parece revelar alguma ineficácia comunicacional e não gera atracção, sobretudo entre os jovens e as crianças”, conforme reconhecem ainda os bispos, que concordam, assim, na necessidade de “renovar criativamente a linguagem da fé e a linguagem litúrgica, para que seja possível uma transmissão eficaz do Evangelho”.