“Enfermeiros de segunda” com “cuidados de primeira”

Sou enfermeira numa unidade de cuidados de saúde personalizados. Qual a nossa realidade? Quem somos e quem servimos, num país onde a desigualdade ao acesso a cuidados de saúde é evidente?

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Megafone P3: "Enfermeiros de segunda" com "cuidados de primeira" Paulo Pimenta
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Ser enfermeiro na comunidade, onde coabitam realidades muito heterogéneas, obriga-nos a uma constante “ginástica” e flexibilidade que vai muito além do físico, pois exige muito a nível social e emocional. Pretende-se que prestemos cuidados de saúde personalizados, pois na verdade é esse mesmo o nosso nome: unidade de cuidados de saúde personalizados. Quem somos? Equipas multidisciplinares constituídas por médicos especialistas em Medicina Geral e Familiar, enfermeiros, muitas das vezes vistos como “enfermeiros de segunda”, sendo que alguns são generalistas, mas muitos especialistas nas diversas áreas de especialidade (Comunitária, Médico-Cirúrgica, Reabilitação, Saúde Infantil e Pediátrica, Saúde Materno e Obstétrica e Saúde Mental e Psiquiátrica), assistentes técnicos, psicólogos, entre outros.

Quem servimos? Todos. Somos uma porta que está sempre aberta para todos os utentes que nos procuram e necessitam dos nossos cuidados, quer tenham ou não médico de família atribuído (sendo que o mais provável é precisamente não terem...), quer estejam em situação regular ou irregular no nosso país... A todos é permitido a entrada e permanência.

O que fazemos? Como o nome indica, pretende-se que prestemos cuidados de saúde personalizados, o que nem sempre é fácil, pois para além da escassez de recursos físicos e humanos, a diversidade cultural da nossa população obriga-nos a ultrapassar barreiras, quer estas sejam linguísticas, culturais ou outras.

Num país onde a falta de médicos de família é gritante, onde as unidades de saúde familiar recusam novas inscrições dos utentes sem médico de família atribuído, é a nós, unidade de cuidados de saúde personalizados que esta população procura. E connosco é-lhes garantida a vigilância da sua saúde, onde nós, enfermeiros, exercemos cuidados especializados, aplicando os conhecimentos adquiridos nas especialidades por nós financiadas, na garantia da melhor prestação de cuidados de saúde.

Cuidamos com uma extrema dedicação, procurando uma melhoria da qualidade dos nossos actos, com muito “trabalho de casa” feito “fora de horas”, de forma a conseguir quebrar barreiras e a estabelecer pontes com aqueles que são alvo dos nossos cuidados. Não recusamos cuidados, e não mandamos ninguém para trás sem receber os cuidados de enfermagem que necessita.

Não somos unidades de saúde familiar, mas procuramos as famílias daqueles que nos procuram sozinhos, assustados por não compreenderem o que dizemos pela barreira linguística, procurando ir de encontro às suas necessidades. Acolhemos e cuidamos de todos sem excepção. Estes cuidados não se reflectem em indicadores, não são traduzidos em números, mas consideramos que são fundamentais e na verdade a essência do nosso cuidar.

Não recebemos incentivos monetários, pois não somos unidades de saúde familiar, mas procuramos a cada dia responder com prontidão e excelência, e sempre com cuidados de saúde personalizados àqueles que nos procuram. Não aceitamos como forma de pagamento “palmas à janela”, mas o sorriso e o olhar daqueles que vivem à margem, que nos vêm como aliados e em alguém em quem confiam e que sempre procuram sem medo, são muitas das vezes o único reconhecimento (emocional) que recebemos, e que nos mostra que estamos no caminho certo. Um caminho nem sempre visto por quem nos governa.

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