Os intelectuais

Não é com orgulho que admito que, se um homem com mais de 30 anos me diz que o seu livro preferido é O Principezinho, eu quero fugir.

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Vi os debates e, como tanta gente, reparei que não se falou de cultura Element5 Digital/pexels
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Quando era jovem e me encantava com surfistas, um tio meu, sabiamente, advertiu-me: “Um dia, vais fartar-te disso, e vais começar a gostar dos intelectuais.” Eu acenei, mas pensei: “Bieeck”, como pensava acerca de brócolos, de vinho, ou de queijo que não fosse o derretido que sai por fora da tosta mista. Os intelectuais eram seres esquálidos e distantes dos quais nunca, jamais, me iria aproximar. O tempo foi passando e, aos poucos, comecei a gostar de vinho tinto, de queijo e, também, de intelectuais.

Os intelectuais sofrem de algum preconceito. Justo, diga-se, porque intelectualidade a mais pode arruinar tudo.

Também reparo que, hoje em dia, o critério para alguém ser considerado intelectual foi reduzido. Já ouvi pessoas serem chamadas de intelectuais porque foram ver um filme do Christopher Nolan.

Gostar de intelectuais quase sempre descamba numa snobeira perigosa. No meu caso, não é com orgulho que admito que, se um homem com mais de 30 anos me diz que o seu livro preferido é O Principezinho, eu quero fugir. Não controlo esta reação, acontece-me, e sinto que pouco posso fazer para regressar a um tempo em que isso não importava.

Não se trata necessariamente de ser intelectual, apercebo-me. O que é decisivo, para mim, é o interesse da pessoa por Cultura. E, não sendo prioridade, é um traço tão revelador, que a ausência dele é fatal. Eu não consigo desejar alguém que não se interesse por arte, cinema, teatro, música ou literatura.

Vi os debates e, como tanta gente, reparei que não se falou de cultura. Não é o mais importante, há prioridades, o costume. Mas o silêncio sobre ela é esclarecedor, tem sido tão esclarecedor na política com um candidato, como a uma mesa de restaurante com…bom, um candidato.

Um candidato a primeiro-ministro que não fale de cultura, que se perceba que não quer saber de cultura, que se sinta que não leu além de O Principezinho, nunca terá o meu voto.

E sim, calculo que eles fiquem tão desolados por perderem esta eleitora como os surfistas ficaram por perderem a admiradora adolescente.


A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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