Deixar de fazer as coisas quando é suposto (leia-se “quando os outros fazem”)

Não é sensato fazer de tudo para não desiludir a avó que anseia por um bisneto ou o professor que depositou em nós todas as suas esperanças de um futuro brilhante.

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Desde cedo, é-nos incutida uma visão específica à qual os nossos trajetos pessoal e profissional se devem assemelhar: primeiro dente aos 6 meses, falar e andar ao celebrar o primeiro ano de vida, entrar na Primária com seis anos, acabar o Secundário com dezoito, entrada no mundo do trabalho logo após terminar o curso com vinte e poucos, casar e ter o primeiro filho antes dos trinta e, com sorte, gozar da reforma a meados dos sessenta. Não sei se me atrevo a enumerar a utopia de compra de casa própria.

O objetivo instintivo da sociedade é claro: definir um trajeto, delineado ao pormenor, para garantir o sucesso da nova geração. Como? Prevenindo desvios da norma que possam levar à ruptura do pacto social; este pressupõe que as gerações vindouras prestarão um serviço a uma geração que prestou o mesmo serviço a uma geração mais velha.

O resultado desta pressa infundada? Estamos à beira do colapso. Cerca de 80% dos profissionais portugueses apresentam, pelo menos, um sintoma de burnout; aliás, metade já têm cumulativamente três sintomas: exaustão, tristeza e irritabilidade. Não é de estranhar que Portugal surja na primeira posição, a nível europeu, no que toca ao risco ou experiência de esgotamento físico e mental, classificado como uma doença pela Organização Mundial da Saúde somente há dois anos.

Vejamos a vida como uma autoestrada: esperamos pela nossa vez para entrar e seguimos o exemplo do carro à frente, acelerando e abrandando, cada um rumo ao seu destino. Este fenómeno, designado comportamento de manada, em que decidimos imitar os comportamentos do grupo, em vez de tomarmos decisões de forma independente, com base na nossa própria consciência, é um efeito persistente do capitalismo.

Não nos apercebemos de que estamos a causar problemas de saúde física, emocional e comportamental quando nos esforçamos mais para fazer tudo “quando é suposto” (leia-se “quando os outros o fazem”).

Vivemos com exigências, reais e imaginárias, que se tornam debilitantes. Assistimos a um aumento francamente preocupante das perturbações relacionadas com o stress de todos os tipos e em todas as idades; ao contrário do corriqueiramente assumido, também as crianças lidam com depressão, ansiedade, perturbações da atenção e dificuldades de aprendizagem.

A solução? Desacelerar, para evitar uma travagem a fundo. Olhemos para outros países europeus; na Dinamarca e na Noruega, por exemplo, mais de 50% dos estudantes tiram um ano antes de entrarem no Ensino Superior. Em que lugar se encontram os dois países no ranking de nações com menos risco de burnout? Primeiro e terceiro, respetivamente. Para além de uma melhor compreensão de outros países, pessoas, culturas e modos de vida, os jovens que fazem um ano sabático reportam uma melhor perceção do que lhes é importante, bem como a aquisição de competências úteis para o futuro.

Os anos sabáticos, que remontam ao século XIII, ao contrário do que se possa presumir, não são anos de férias: são investimentos pessoais, profissionais e sociais. Podia falar dos múltiplos benefícios individuais que trazem associados, mas prefiro sublinhar o impacto que pode ter na comunidade que nos rodeia. Por que não viver com uma família de acolhimento e ajudar com as crianças? Ou fazer voluntariado numa organização que auxilie os mais desfavorecidos?

Embora seja irrisório o número de empresas que oferecem licenças sabáticas, algumas empresas progressistas já reconhecem o valor de ter tempo para investir no crescimento e desenvolvimento pessoal. A título de exemplo, a Google, que oferece um programa chamado "Career Sabbatical" que permite aos colaboradores tirar até seis meses de férias para explorar interesses pessoais ou viajar após cinco anos de serviço ou a marca de roupa Patagonia, que oferece uma licença sabática remunerada de, no máximo, dois meses, depois de um trabalhador ter estado na empresa durante 15 anos.

Ao fim e ao cabo, é necessária a colocação de semáforos na autoestrada que impeçam o aceleramento contínuo do trânsito. Não é porque o carro à nossa frente passou no amarelo que devemos arriscar transitar num vermelho; é imperativo aprendermos a viver ao nosso ritmo, mesmo que tal signifique chegar mais tarde porque viemos pela nacional, onde conseguimos apreciar a paisagem.

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