Melancias – só a resistência popular é que travará a guerra

A disrupção causada por ações do Climáximo levou a que se referissem a nós como “melancias”: “Verdes por fora, vermelhas por dentro”. O carácter anticapitalista da justiça climática não é negociável.

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Em Outubro passado, o Climáximo, coletivo do qual faço parte, pela primeira vez declarou publicamente o que há muito já intuíamos: Governos e grandes empresas declararam guerra às pessoas e ao planeta. Esta declaração veio acompanhada do lançamento de um Plano de Desarmamento e Paz, e de ondas de consecutivas ações cujo objetivo era interromper a normalidade distópica em que este sistema nos encurralou.

A disrupção causada pelas ações do Climáximo levou muitas pessoas a comentarem as nossas táticas, assim como as nossas propostas políticas. Nessa altura houve quem, pela descoberta da convicção anticapitalista e procura de soluções radicalmente justas (às quais sempre tentámos dar visibilidade), se tenha referido a ativistas do coletivo como “melancias”: “Verdes por fora, vermelhas por dentro”. Este descritivo surge no sentido de apontar o carácter socialista/comunista e radical “vermelho” das nossas propostas por justiça climática “verde”.

Só um movimento de “melancias” pode apresentar propostas viáveis para travar o colapso climático. Retomo o enunciado do estado em que estamos – um estado de guerra declarada à vida. Esta não é uma metáfora exagerada da realidade que usamos para ilustrar uma ideia ou para criar pânico. Os dados que conhecemos mostram-nos que, quando muito, falar em guerra é um eufemismo. Vários dos limites biogeofísicos do planeta estão a ser quebrados, não por falta de aviso ou inconsciência, mas apesar do seu pleno conhecimento, tudo para manter a acumulação infinita de riqueza de uma pequena elite.

A crise climática condena, atualmente, centenas de milhares de pessoas à morte, e, segundo um estudo recente, “se o aquecimento atingir ou exceder os 2°C neste século, os seres humanos, sobretudo os mais ricos, serão responsáveis pela morte de cerca de mil milhões de seres humanos, sobretudo os mais pobres”. Ora, sabemos que é provável que a marca de 1,5ºC de aquecimento seja ultrapassada já este ano.

A falha do estudo anterior é explicar o significado destes dados. A emergência climática não é um ato involuntário ou negligente. A crise climática é um ato de violência extrema, coordenado e premeditado, por parte de Governos e grandes empresas contra a Humanidade. Todos os dias em que não há um plano para a resolver, esse ato aumenta o seu impacto, já atualmente devastador.

É coordenado. Governos e empresas reúnem-se em várias conferências sobre ambiente, clima e transição há décadas. Algumas são como aquela em que o ministro do Ambiente se reuniu com a Galp e a EDP, outras são grandes conferências internacionais como a COP28, presidida por um barão do petróleo, na qual participaram 2456 lobistas fósseis. Além disso, há centenas de reuniões diárias à porta fechada entre governantes e empresários. Isto é coordenação.

É premeditado. Estão a matar-nos em massa, e sabem-no. Há décadas que assinam documentos, tratados e acordos em que reconhecem esta realidade. Mas decidem continuar a investir em combustíveis fósseis e em infraestrutura emissora – industrial, rodoviária, aeroportuária e por aí fora. Estas infraestruturas são fábricas de armas de destruição em massa.

Não há como travar o colapso climático e social sem repensarmos de forma radical o sistema como um todo. Este sistema depende de crescimento infinito, associado à expansão da exploração de pessoas, territórios e recursos, tornada possível pelas suas veias imperialistas e neo(colonialistas). O capitalismo provou o seu desinteresse em travar a destruição das suas próprias bases materiais de funcionamento e, consequentemente, da subsistência da Humanidade. O colapso climático é o sintoma mais estrutural e avassalador disso mesmo, dado o seu carácter global, irreversível, e de “bola de neve”. O genocídio contra os palestinianos e a normalização por parte dos Governos ocidentais e dos media mainstream da morte de dezenas de milhares de pessoas é um outro sintoma da faceta mais desumana, anti-humana, deste sistema.

A “justiça” na luta climática não é negociável ou secundária. É um elemento central do movimento e da sua política. O Climáximo apresenta um programa político extenso, que responsabiliza as elites políticas e económicas que lucram com a miséria, morte e destruição. É um plano que propõe serviços básicos universais, empregos dignos e úteis para todas as pessoas, entre outras medidas que fornecem garantias sociais e para a satisfação das necessidades reais de toda a sociedade.

Somos, sim, melancias. Não consentiremos os planos de morte e destruição do capitalismo e dos sistemas de opressão de que este depende. A melancia, assim como a bandeira palestiniana, tornaram-se símbolos internacionais de resistência e libertação. É com muito orgulho que vejo esta característica ser também atribuída ao movimento do qual faço parte. O movimento pela justiça climática estará ao lado de todas as lutas por libertação, pelo fim de todos os tipos de opressão, pela construção de uma sociedade justa, livre e em verdadeira paz. Seremos melancias e só assim poremos fim à guerra que declararam à vida de milhares de milhões de pessoas por todo o mundo.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico