É tempo de imitação

A base de dados do cérebro dos adolescentes e jovens está em baixo. A sua capacidade de criação, de um modo geral, não existe. Tudo o que fazem é na base da imitação.

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A Escola Basica EB 2, 3 e Secundaria Gil Vicente optou por restringir o uso dos telemóveis na escola Daniel Rocha/Arquivo
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Durante a pandemia falou-se muito de tecnologia como suporte à aprendizagem. Depois da pandemia muito se tem falado dos telemóveis, sobretudo dos telemóveis na escola e a sua utilização na sala de aula.

Sempre fui adepta das ‘novas’ tecnologias, da ciência enquanto estudo, investigação e colocação de todos os avanços conseguidos e colocar ao dispor do cidadão comum os meios para que a sua vida esteja mais facilitada. Do ponto de vista da educação, levar os alunos a estarem familiarizados com o manuseamento dos meios digitais, programas, plataformas e aplicações que possam suscitar curiosidade pelas matérias em estudo e aprendizagem real e actualizada é um grande contributo.

Cada vez mais a utilização dos telemóveis na sala de aula tem sido feita indiscriminadamente por tudo e por nada e não para construir aprendizagem. Cada vez mais os alunos não sabem pensar, não sabem criar, não tem verdadeira consciência do que os rodeia, observam e experienciam.

Uma simples tarefa típica desta quadra festiva de Natal e Novo Ano, de formulação de bons desejos para todos, em geral, ou alguém em particular, leva à inevitável pergunta: “Professora, posso ir procurar no telemóvel?” O desenho de uma simples árvore ou o cabelo da Nossa Senhora no presépio são razões para perguntar se podem ir ver como é no telemóvel. Estes são exemplos reais de alunos atuais.

A base de dados do cérebro dos adolescentes e jovens está em baixo. A sua capacidade de criação, de um modo geral, não existe. Tudo o que fazem é na base da imitação e não da criação. Imitam o que procuram para dar como resposta. Já está tudo feito, é só procurar e encaixar para devolver ao professor.

Qualquer exercício onde é preciso raciocinar, como seja por exemplo, fazer a planificação de um cilindro, onde é preciso saber a fórmula do perímetro da circunferência, não fazem a menor ideia de como será, mas o telemóvel responde. É muito difícil estudar, memorizar, compreender. Não é preciso. Quando é preciso, procura-se no telemóvel. Tudo se imita e nada se cria.

A procura no telemóvel da explicação de um conceito, de múltiplos exemplos de determinada situação a estudar, da utilização de aplicações que facilitam a memorização e a compreensão da vastidão das matérias, são situações concretas onde o telemóvel pode ser um instrumento ao serviço da aprendizagem.

O recurso como procura de exemplos para imitar, para dar respostas simples, a utilização que não promove o desenvolvimento do pensamento, do juízo crítico, da capacidade de pensar, de tirar conclusões e de formular parecer individual, não é um instrumento ao serviço da educação e em concreto da aprendizagem, mas antes do facilitismo e da estagnação do raciocínio e criatividade dos alunos.

A tecnologia é boa e o meio através do qual ela passa pode ser bom. A permissão da sua utilização, sem critério nem orientação, não contribui para a aprendizagem, mas antes para o atrofiamento das capacidades de observação, interpretação, memorização e criação. Mais do que aprender situações ou modos de fazer, o currículo deve proporcionar o desenvolvimento do raciocínio, a pesquisa e a interligação de conceitos e conteúdos, o gosto por aprender, ser curioso.

Tudo tem o seu lado bom e menos bom. Usar o telemóvel indiscriminadamente para qualquer trabalho dentro da sala de aula, gera dependência do que já está feito, preguiça mental, falta de originalidade, vergonha de criar e de se expor, ou seja, vergonha de partilhar o seu saber, ter ousadia para criar algo de novo. Em suma, sair da sua zona de conforto e aprender.

Tecnologias sim, a sua utilização indiscriminada, não.


A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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