O conflito parental e a residência alternada

A separação ou divórcio dos pais nem sempre é realizada de forma pacífica e tal implica que exista e persista um grau de conflito intenso entre ambos, tornando a sua comunicação escassa e violenta.

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"Quando não existe capacidade de diálogo entre os progenitores é impossível que exista cooperação por parte dos mesmos" cottonbro studio/pexels
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Conforme resulta do artigo 1906.º n.º 5 do Código Civil: “5 – O tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por casa um deles para promover relações habituais do filho com o outro.” (sublinhado nosso).

Este normativo, no seu n.º 6, dispõe que: “Quando corresponder ao superior interesse da criança e ponderadas todas as circunstâncias relevantes, o tribunal pode determinar a residência alternada do filho com cada um dos progenitores, independentemente de mútuo acordo nesse sentido...” (sublinhado nosso).

A separação ou divórcio dos pais nem sempre é realizada de forma pacífica e tal implica que exista e persista um grau de conflito intenso entre ambos, tornando a sua comunicação escassa e violenta.

Esta comunicação afeta os filhos e, num processo de regulação das responsabilidades parentais, assume relevância, nomeadamente, quando se discute o estabelecimento de uma residência alternada.

Com efeito, a fixação de uma residência alternada terá que ter, na sua base, um elemento que se consubstancia na existência de um relacionamento comunicacional adequado entre os progenitores, sendo também importante que os modelos educativos sejam idênticos e que não existam atritos relevantes entre ambos.

A doutrina tem elaborado sobre este tema indicando alguns critérios que deverão estar presentes aquando da decisão sobre a fixação de um regime de residência alternada, sendo um desses critérios a capacidade de diálogo, entendimento e cooperação por parte dos progenitores, bem como a existência de um modelo educativo comum ou, pelo menos, de consenso quanto às suas linhas fundamentais.

Isto porque, quando não existe capacidade de diálogo entre os progenitores é impossível que exista cooperação por parte dos mesmos e que estes consigam alcançar entendimentos entre ambos sobre a vida dos filhos, o que faz com que a existência de um modelo educativo comum dependa do puro acaso e não de um esforço concertado de ambos para alcançarem aquilo que, por acordo, definirem como sendo o melhor para o seu filho.

Pais que não tenham capacidade de se afastarem dos seus desentendimentos pessoais para alcançarem decisões em relação aos filhos não conseguem atingir um nível razoável de comunicação que lhes permita cooperar na educação dos filhos.

Numa residência alternada esta capacidade de cooperação e de comunicação é tão mais importante quanto não são apenas as questões de particular importância que são exercidas em conjunto por ambos os progenitores, como também as questões da vida

corrente dos filhos, como seja, por exemplo, a hora a que se deitam, a hora a que jantam, a partir de que idade podem ir, ou não, a casa de amigos, as atividades extracurriculares que os filhos praticam no período de tempo em que estão com cada um dos progenitores.

Numa residência alternada, estas questões que, num outro regime, podem parecer de somenos importância assumem uma necessidade de consenso relevante, na medida em que, não existindo este entendimento, poderemos ter situações em que, em casa de um progenitor a criança deita-se às 21H e em casa do outro às 22H, numa semana pratica determinadas atividades que, na outra semana, não frequenta, frequentando, ou não, outras atividades, etc.

Este desnível comunicacional entre os progenitores impacta nos filhos que ficam completamente expostos ao conflito que existe, potenciando um desequilíbrio factual nas suas vidas e, consequentemente, um desequilíbrio emocional que não garante a salvaguarda do seu superior interesse.

Por fim, refira-se também que a jurisprudência tem entendido que, apesar da redação atual do n.º 6 do artigo 1906.º do Código Civil permitir a fixação de residência alternada, independentemente do mútuo acordo dos progenitores nesse sentido quando o tribunal entenda que tal é do superior interesse da criança, na faixa etária entre os 4 e os 10 anos, apenas se deverá entender que poderá haver lugar à fixação de um regime de residência alternada, nas situações em que, concretamente, cada um dos progenitores pode e deve confiar no outro progenitor, não existindo de todo conflito parental ou, quando existe seja um conflito este seja conjugal ou seja, que não interfira no exercício da parentalidade conjunta relativamente aos filhos.


As autoras escrevem segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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