Desculpa, mas a cannabis provavelmente não te torna mais criativo

Será que a cannabis te torna mais criativo? Um estudo comparou utilizadores de cannabis e não utilizadores de forma a perceber se esta droga influencia a criatividade das pessoas.

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Apesar de ser comum associar a cannabis à criatividade, a ciência tem as suas dúvidas Unsplash

Muitos consumidores de cannabis estão convencidos de que a droga não só melhora o seu humor, mas também a sua criatividade.

Algumas pessoas famosas também parecem subscrever esta ideia. Steve Jobs disse que a marijuana e o haxixe o deixavam "relaxado e criativo" e o astrónomo e autor Carl Sagan acreditava que a cannabis o ajudava a ter "serenidade e discernimento". Na esfera artística, Lady Gaga disse que fuma "muita erva" quando escreve música e Louis Armstrong chamou à marijuana "uma assistente e amiga".

Apesar destas crenças populares sobre o poder criativo da cannabis, o consenso científico tem permanecido nebuloso.

Agora, novas investigações sugerem que a cannabis pode afinal não ser uma droga que estimule a criatividade.

"Quase toda a gente pensa que a cannabis torna as pessoas mais criativas. E parece que essa suposição não é apoiada pelos dados", disse Christopher Barnes, professor especializado em comportamento organizacional da Foster School of Business da Universidade de Washington e autor do estudo.

A cannabis melhora o humor, mas não a criatividade

Inicialmente, os investigadores supunham que a cannabis iria indirectamente aumentar a criatividade por fazer com que os utilizadores se sentissem mais joviais. Afinal de contas, a cannabis tende a melhorar o humor, o que por sua vez poderia produzir a mudança de mentalidade que alimenta a criatividade.

Para testar esta ideia, os investigadores conceberam um ensaio controlado aleatório e compararam os resultados criativos dos utilizadores casuais de cannabis com aqueles que não utilizam.

Num primeiro conjunto de experiências, foi pedido a cerca de 107 utilizadores casuais de cannabis que fizessem um teste padrão de criatividade no espaço de 15 minutos depois de ficarem pedrados. Para o grupo de controlo, os investigadores também pediram a 84 participantes que fizessem a tarefa, mas não podiam ter usado cannabis nas últimas 12 horas.

O teste consistia em pedir aos participantes que encontrassem o maior número de usos criativos para um tijolo em quatro minutos.

Como era de esperar, os participantes que estavam sob a influência da droga sentiam-se mais alegres, o que os fazia sentir que as suas ideias eram mais criativas do que participantes sóbrios.

Mas as avaliações de criatividade por parte de terceiros (que não sabiam quem estava sob a influência) acabaram com essas fantasias: quando avaliaram as respostas tendo em conta a originalidade e utilidade, não viram uma diferença na criatividade.

Um segundo conjunto de experiências mostrou resultados semelhantes numa tarefa de criatividade relacionada com o trabalho. Nesse estudo, foi pedido a 140 participantes que imaginassem que trabalhavam numa empresa de consultoria contratada para aumentar as receitas de uma banda local. Foram instruídos a gerar o maior número possível de ideias criativas em cinco minutos. Depois, foi-lhes pedido que avaliassem a criatividade dos outros.

Tal como aconteceu nas primeiras experiências, os participantes que estavam sob a influência da cannabis acreditavam que as suas próprias ideias eram mais criativas em comparação com os participantes de controlo, ao passo que quem estava a avaliar de fora achava que não.

Curiosamente, os utilizadores sob o efeito de cannabis também pensavam que as ideias de outras pessoas eram mais criativas.

"Quando se está sob a influência da cannabis, e se está a experimentar a jovialidade, pensa-se que tudo é criativo e grandioso", disse Barnes. "O seu trabalho ou o trabalho de outras pessoas é todo fantástico".

O resultado final: o facto de estar pedrado não fez com que a criatividade dos participantes aumentasse exponencialmente — mesmo que cada ideia soasse espantosa.

Utilizadores de cannabis são mais abertos

Embora os indícios sugiram que a criatividade não aumenta quando se está pedrado, os investigadores também se interrogaram se o uso prolongado da cannabis pode tornar alguém mais criativo.

Num estudo, os investigadores analisaram as respostas de mais de 700 estudantes universitários que ou eram utilizadores recorrentes de cannabis ou não usavam de todo. E concluíram que, mesmo quando estavam sóbrios, os utilizadores de cannabis diziam ter uma maior criatividade. Também tiveram melhor desempenho num teste que mede o pensamento convergente, um aspecto da criatividade que serve para encontrar soluções para um problema, quando comparados com os não-utilizadores.

Não foi, contudo, o uso da cannabis que explicou estas diferenças criativas. A personalidade dos utilizadores era importante.

Os utilizadores de cannabis tendiam também a ser as pessoas que demonstravam um traço de personalidade de abertura, ou seja, eram mais propensos a procurar novas experiências, o que por sua vez estava ligado à criatividade. Quando os investigadores tinham em conta esse traço de personalidade, a ligação entre a cannabis e criatividade já não se mostrava tão forte.

"Isto sugere que as pessoas que estão abertas à experiência são mais propensas a usar cannabis e também são mais criativas", disse Carrie Cuttler, professora de psicologia na Universidade do Estado de Washington e autora do estudo.

A ciência da cannabis está em florescimento

Com base na literatura, Cuttler acredita que a cannabis até pode produzir "melhorias subtis" na criatividade, mas "é provavelmente um efeito muito menor do que o que as pessoas pensam e do que a cultura popular sugere".

A criatividade não é uma coisa e tem muitos componentes diferentes. A cannabis provavelmente afecta-a tanto de forma positiva como negativa, afirma Barnes. Pode aliviar o stress e a ansiedade, por exemplo, o que pode ajudar algumas pessoas com o seu processo criativo, disse Cuttler.

A investigação mostra que, embora ficar pedrado possa não aumentar dramaticamente a criatividade, também não pareceu prejudicá-la, pelo menos em doses relativamente baixas.

Os estudos existentes têm limitações na forma como podem testar parâmetros potencialmente importantes do consumo de cannabis — tais como dose e variedade —, devido aos regulamentos federais. E há limitações na forma como a investigação criativa pode ser facilmente realizada no laboratório — a criatividade necessária para produzir grandes obras de arte, novas tecnologias ou descobertas científicas pode ser diferente e mais difícil de captar do que pedir a alguém que pense em usos para um tijolo.

"Muitas das hipóteses que temos sobre os efeitos da cannabis podem estar erradas", disse Barnes. "Por isso, não devemos ter suposições demasiado rígidas, devemos encorajar a investigação."

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