Lições da Ciência no pós-pandemia: o risco associado às alterações climáticas

Se a Humanidade foi capaz, à escala planetária, de travar a ameaça da pandemia, há, também, potencial para uma acção climática colectiva mais efectiva.

Onde estaríamos hoje em relação à covid-19 se tivéssemos ignorado todos os alertas da ciência sobre esta doença e a importância da vacinação? Certamente num contexto incomensuravelmente mais complexo do que o actual, agravado por todos os problemas geopolíticos que o mundo enfrenta hoje.

Em Março de 2020 a OMS declara o início da pandemia e no fim de Setembro de 2022, em Portugal, o Governo declara o fim do estado de alerta. Em retrospectiva, com um pouco de aritmética, a situação foi controlada em menos de mil dias.

A vida segue hoje com uma normalidade próxima da que conhecíamos e as máscaras, último reduto da pandemia, estão circunscritas aos serviços de saúde e lares. Contribuímos colectivamente para este muito positivo desfecho, alterámos os nossos comportamentos. E todos reconhecemos a dificuldade em alterar hábitos, no entanto, conseguimos.

O ser humano, o Homo sapiens sapiens, lida com a doença causada por agentes patogénicos há milhares de anos. A ciência permite-nos compreender o que está em jogo, ensinando sobre o funcionamento do sistema imunitário, sendo responsável pelo advento das vacinas. Convivemos desde tempos imemoriais com o risco associado à doença.

Mas que relação existe entre a pandemia e a crise climática? Em comum, a pandemia e as alterações climáticas são fenómenos planetários que afectam todos os continentes, desconhecendo fronteiras. No entanto, a percepção do risco associado a cada uma destas ameaças tem implicações distintas.

Vejamos o que nos diz a ciência sobre as alterações climáticas: os fundamentos físicos e científicos do efeito de estufa e o esboço da previsão das alterações climáticas surgem em 1896 pelo cientista Svante Arrhenius. Já no século XX a confirmação de que a temperatura na Terra aumenta com a emissão de CO2, gás de efeito de estufa (GEE), para a atmosfera foi demonstrada pelo cientista Guy Callendar (em 1938).

O conhecimento sobre as alterações climáticas tem aproximadamente 126 anos, enquanto o conhecimento sobre a pandemia de covid-19 tem cerca de 2,5 anos, mas enquanto a pandemia está controlada, continuamos a enfrentar uma crise climática cada vez mais adversa, porquê?

Uma variável decisiva para a capacidade de actuação sobre esta ameaça crescente prende-se com a nossa percepção do risco que lhe está associada. Se na pandemia de covid-19 a vida foi posta em causa no imediato por um vírus, e esta percepção de risco iminente foi um catalisador essencial para a alteração de hábitos, será que compreendemos o risco associado à crise climática?

Ora vejamos, o planeta recebe energia do Sol, indispensável à manutenção da vida na Terra. Do total de energia, uma parte é reflectida para o espaço, e a remanescente é absorvida pelo planeta Terra. A diferença entre a energia total e a energia reflectida está a diminuir, logo o planeta está a aquecer. A capacidade do nosso planeta em reflectir a energia solar é menor, e a energia absorvida e a circular no planeta é maior.

Os GEE são heróis da vida na Terra e também um dos seus vilões. Heróis porque sem CO2, CH4 e outros GEE a temperatura média global na Terra seria de -18ºC. Vilões porque, face ao consumo de combustíveis fósseis, derivados da actividade humana, toneladas destes gases são diariamente injectados na nossa atmosfera, ininterruptamente, 24 sobre 7. De salientar que o CO2 e o CH4 têm um tempo de residência na atmosfera de até 200 anos e 12 anos, respectivamente, sendo responsáveis pela amplificação do calor que recebemos da nossa estrela, o chamado "efeito de estufa".

É um processo formidável o efeito de estufa, permitiu a vida na Terra, mas a sua regulação natural está em perigo com o aumento de GEE na atmosfera,​ estamos a condenar a vida na Terra como a conhecemos. Apesar da complexidade destes fenómenos, a ciência que nos auxilia na compreensão dos processos físicos e biogeoquímicos do planeta é clara. Há 126 anos que temos conhecimento sobre o efeito de estufa e o seu delicado equilíbrio. A COP27 fez história com o fundo de “perdas e danos” dirigido aos países mais vulneráveis a danos climáticos, porém carece de um acordo sobre um corte de emissões de GEE mais acelerado – o secretário-geral da ONU, António Guterres, é peremptório a este respeito.

Por cá, em Portugal, o ano hidrológico fechou em seca extrema, os Verões longos proporcionam fogos de uma intensidade que desconhecíamos, além da disputa pelo caudal de rios com os nossos vizinhos espanhóis. Estes cenários contrastam com um Outono de inundações e minitornados. Noutros pontos do planeta ocorrem mais inundações de proporções inimagináveis e outros fenómenos extremos.

Há 126 anos que a humanidade tarda em compreender o risco associado às alterações climáticas, e adaptar o seu comportamento face a esta realidade e ameaça: em última instância, o risco é o de perder a vida, a humana, a de animais e de plantas, em terra e no mar. Assim, o risco resultante das alterações climáticas para humanidade equivale na sua gravidade ao de sucumbir perante uma doença atenção que, literalmente, também graves problemas de saúde são veiculados com as alterações climáticas (a malária, a dengue, golpes de calor, entre muitos outros). O nosso combate colectivo contra a pandemia de covid-19 fez prova da nossa consciência sobre o risco implicado, a literacia climática urge como um imperativo dos nossos dias, para que haja uma evolução social mais acelerada, nomeadamente na alteração de comportamentos que promovem a sustentabilidade do nosso planeta.

Se a humanidade foi capaz, à escala planetária, de travar a ameaça da pandemia, há, também, potencial para uma acção climática colectiva mais efectiva, cumpra-se um pré-requisito vital: todo o trabalho de casa fundamental, que compete a cada um de nós e a cada nação no seu conjunto, compreender a verdadeira dimensão do risco que as alterações climáticas acarretam.

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