O Acordo Global para a Biodiversidade

Com 30% da superfície terrestre e dos oceanos protegidos até 2030, o que se perspectiva para os outros 70%? Acordo histórico deve envolver todos os responsáveis pela degradação dos recursos naturais.

A COP15 sobre a Biodiversidade, organizada em Montreal numa parceria entre a China e Canadá, terminou com um acordo histórico em cima da mesa. Durante esta década, os países signatários comprometem-se a reverter a actual perda de biodiversidade e a implementar programas de restauro ecológico de ecossistemas.

Tal como no Acordo de Paris, onde a meta foi impedir o aumento de 1,5°C de temperatura, neste Acordo para a Biodiversidade a meta é 30 por 30, ou seja ter 30% do território terrestre e marinho, águas interiores e costeiras, em conservação e restaurar 30% dos ecossistemas degradados. Actualmente apenas 17% dos ecossistemas terrestres e 8% dos marinhos estão em reservas integrais. O acordo implicou a criação de um fundo e o comprometimento dos países a investir, anualmente, 200 mil milhões de dólares (aproximadamente 188 mil milhões de euros) que, embora insuficiente, constitui um acto político de grande relevância.

O que estava em jogo nesta COP15 era a apresentação de metas claras para impedir a sobreexploração, poluição, fragmentação de ecossistemas e a continuação de práticas agrícolas insustentáveis, através da adopção de um plano equitativo e abrangente que permitisse a protecção dos direitos dos povos indígenas e a obtenção de financiamento. Ao fim de duas semanas de discussão, as metas alcançadas no Acordo de Kunming-Montreal podem criar mudanças significativas na produção agrícola, nos movimentos comerciais globais e no papel das comunidades indígenas para a conservação.

À medida que a população ultrapassa os oito mil milhões, este acordo pode parar a taxa de extinção das espécies SE reduzir o uso de pesticidas e fertilizantes, os impactos negativos de todas as fontes de poluição, a pegada global de consumo, a introdução de espécies exóticas, e aumentar o número de espécies nativas e a diversidade genética das populações. O crescimento económico não pode, nem deve, ser feito à custa da delapidação dos recursos naturais.

A adopção deste Acordo Global para a Biodiversidade pode garantir a saúde e bem-estar humano e o equilíbrio do planeta, se estimular e motivar à participação todos os responsáveis pela degradação dos recursos naturais.

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Thomas Wiewandt /GettyImages

Tal como em muitos outros acordos, este pode ser considerado histórico, por ter, à partida, expectativas maiores do que as esperanças. O aspecto positivo é o facto deste acordo vincular 190 países que são agora responsáveis em estabelecer medidas urgentes que revertam a perda de biodiversidade e restaurem ecossistemas degradados.

Cria ainda oportunidade às empresas, grandes e pequenas, e às instituições financeiras, de se responsabilizarem pelos impactos que exercem na natureza e pressioná-las a tomar decisões mais favoráveis à conservação. O acordo permite também terminar com os subsídios prejudiciais à exploração insustentável da natureza.

No entanto, existem algumas lacunas que terão de ser assumidas de forma clara. A pior é a falta de urgência e de medidas concretas para acabar com a extinção de espécies e ecossistemas. Por exemplo, a utilização de pesticidas e fertilizantes, bem como a pegada de consumo, ligadas directamente à produção de alimento, tem apenas metas de risco.

O facto de se considerar que a extinção pode ser revertida até 2050, indicia que se pode continuar neste estado do “vamos fazendo” por mais 28 anos. Por outro lado, enquanto 30% da superfície terrestre e dos oceanos estarão protegidos até 2030, o que se perspectiva para os outros 70%? Não houve acordo explícito sobre metas para reduzir os impactos da produção e consumo humano nos ecossistemas e na biodiversidade.

A União Europeia teve papel significativo na preparação até ao acordo final desta COP15, mostrando solidariedade global e estimulando o multilateralismo. Aliás, o Pacto Ecológico foi lançado por reconhecer a importância da natureza e de um planeta em equilíbrio para a sobrevivência da humanidade e coloca a Europa na vanguarda da transformação económica global.

Os objectivos subjacentes a este pacto foram pioneiros ao estabelecer a ligação entre a crise climática e a da biodiversidade e no desenvolvimento de estratégias políticas para mitigar estas duas crises de forma integrada. Recentemente foi adoptada uma nova lei que regula a importação de produtos produzidos em áreas não desmatadas o que limita o aval à exploração insustentável. A Europa está, assim, verdadeiramente empenhada em cumprir as metas estipuladas.

Após a conclusão das negociações cabe, agora, a cada um dos países implementar as estratégias nacionais de biodiversidade e actualizar os planos de acção. As próximas COPs vão avaliar se o impacto cumulativo das acções nacionais é suficiente para atingir as metas e objectivos globais para 2030 e 2050.

Paralelamente à acção política, os países e as instituições financeiras terão de mobilizar as fontes de financiamento. O que Portugal irá estabelecer e implementar é ainda desconhecido. Se podemos considerar positiva a quantidade de áreas classificadas como protegidas, verificamos que o seu estado de conservação é mau.

Apesar de existir uma estratégia nacional de conservação, aprovada em 2017, existe uma verdadeira omissão nas estratégias a implementar para minimizar a perda de diversidade e degradação dos ecossistemas. Nada transparece para aumentar a sensibilização da população para este problema, considerado um dos actuais desafios da humanidade a par das alterações climáticas.

O Instituto da Conservação da Natureza (ICN, actualmente das Florestas, ICNF), instituído como Autoridade Nacional para a Conservação da Natureza e Biodiversidade sofre de uma perda de funções no terreno, pelo que não se entende quem irá ser responsabilizado pelo cumprimento das metas. Oportunamente, antes do fim da COP15, o governo decidiu descentralizar e regionalizar as competências relacionadas com a gestão da conservação da natureza e das áreas protegidas e classificadas.

Urge verdejar o Planeta e Portugal, em particular. Mas, sem políticas públicas e investimento em ciência direccionada ao estudo da biodiversidade e restauro ecológico, dificilmente o país pode cumprir as metas estabelecidas nesta COP15 e alcançar o 30 por 30.

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