Artes
Na Palestina bordada de Jordan Nassar, “não há ocupação, não há angústia”
Há paz nas paisagens palestinianas bordadas pelo artista norte-americano Jordan Nassar. “As paisagens que eu 'pinto' são das 'Palestinas' dos nossos sonhos”, contou ao P3. “Não há ocupação [israelita], não há angústia. (…) A Palestina dos nossos sonhos é bonita e serena.”
Suaves como o algodão de que são feitas, as paisagens bordadas pelo nova-iorquino Jordan Nassar transpiram paz, serenidade – elementos raros na Palestina, território a que o seu trabalho está conceptualmente ligado. Filho de pai e mãe norte-americanos com dupla nacionalidade – palestiniana e polaca, respectivamente –, Jordan foi educado por eles de forma a identificar-se como palestiniano, contou ao P3, em entrevista. “Viajo para a Palestina desde a minha adolescência e agora, enquanto adulto, visito sempre que possível.” Por esse motivo, refere o artista de 37 anos, a luta pelos direitos humanos dos palestinianos é muito importante para si e para a família – sobretudo para o pai, médico psiquiatra, que dedicou décadas de trabalho ao serviço dos palestinianos. “As paisagens que eu 'pinto' são das 'Palestinas' dos nossos sonhos, as terras fantásticas e utópicas dos sonhos do meu pai – os sonhos que ele descreveu aos filhos. Nos nossos sonhos, não há ocupação [israelita], não há angústia; a Palestina dos nossos sonhos é bonita e serena.”
A Palestina real, contemporânea, não é serena. “A terra está no centro da questão palestinian”, refere Nassar; por esse motivo tem presença obrigatória na sua obra. “O meu trabalho é pessoal e emotivo, tem origem em lugares de alegria e de dor e eu espero que isso se note.” A família de Jordan descobriu, há poucos anos, que a mãe tem ascendência judia, “e isso também entrou em cena” aquando do desenvolvimento da sua obra. “O meu marido é israelita e, em ambiente doméstico, embora não sejamos praticantes do judaísmo, somos culturalmente judeus”, explica. “Por vezes, é complicado, complexo até, mas acho que, a um nível humano, é relativamente fácil explicar assim: em árabe palestiniano, as pessoas referem-se aos israelitas como 'primos'. Ser israelita ou judeu não significa que não se possa defender aquilo que está correcto – ou seja, a liberdade e igualdade de direitos para os palestinianos.”
O território, a distância, a saudade são elementos transversais nos bordados do artista norte-americano. “Eles reflectem, também, de certo modo, como é pertencer à diáspora palestiniana na América”, acrescenta. Inconformado com a distância que o separa do berço do pai, do seu próprio epicentro identitário, Nassar decidiu, desde há quatro anos, estabelecer uma relação de colaboração artística e comercial com mulheres bordadeiras da Cisjordânia. Como funciona essa parceria? As peças semi-trabalhadas por Nassar voam incompletas, ou seja, com partes por preencher, para a Cisjordânia e voltam preenchidas pelas artesãs para os Estados Unidos. “Às vezes tenho uma paleta de cores em mente, outras vezes peço que me surpreendam”, explica. “Peço sempre que decidam onde usar cada cor, é algo que nunca dirijo e que pode afectar drasticamente a aparência da peça.” No final, a obra de arte resultante é um produto dessa colaboração de ida e volta, fruto de uma “relação colaborativa muito especial”, apelida Nassar. “Adoro trabalhar com elas por muitas razões. Significa muito para mim estar em ligação com a comunidade do bordado palestiniano e gosto de mostrar o seu trabalho através do meu; gosto que o meu processo artístico se traduza em negócio para a Palestina. E gosto de contribuir para manter esta tradição viva e em florescimento.”
Jordan faz bordados com as mãos, mas é o coração quem os dirige. “Os trabalhos têm origem na minha herança palestiniana, mas não sei se posso dizer que são inspirados na Palestina. Acho mais correcto dizer que as obras são, em si, palestinianas. Isto porque a prática do bordado é algo que me liga à Palestina, o próprio bordado é uma expressão palestiniana forte e porque a uso, ao mesmo tempo, como uma expressão da minha 'palestinianidade'.” Nassar tem esperança que esse cordão umbilical esteja expresso nos fios dos seus bordados. “Acredito que quando um artista desenvolve trabalho a partir de um lugar humano, real, isso se torna perceptível, ao nível subconsciente, para quem vê a obra. Eu espero que as pessoas sintam isso, ou que sintam qualquer coisa, um momento de ligação humana, um momento de beleza.”