O perigo da “política do mas”

O diploma que aprova a obrigatoriedade de utilização das máscaras em espaço público é repleto de arbitrariedade.

Recentemente, a Assembleia da República aprovou uma proposta em que se estabelece a obrigatoriedade do uso de máscara na rua. À volta desta e de outras medidas de combate à pandemia temos assistido a debates com posições muito extremadas, mas também comportamentos decisões e leis que têm relativizado direitos e as liberdades onde parece estar em causa um novo e crescente problema: a “política do mas”.

Desde o início desta pandemia, o caminho seguido pelo governo e pela DGS tem sido ziguezagueante, não estando Portugal num trajeto de uma via esclarecida, debatida com sensatez, com capacidade adaptativa e, sobretudo, fundada na evidência. À atitude das autoridades, a quem sempre faltou a cultura orientada para tratar os cidadãos como adultos capazes e responsáveis, somou-se uma total incapacidade por parte das autoridades em encontrar um rumo consistente e coerente.

O sentimento nas pessoas de desconfiança e intranquilidade foi sempre alimentado por decisões governamentais erradas e contraditórias, percecionadas como desajustadas e injustas por grande parte da população e que deterioraram e contaminaram todo o debate na sociedade civil e os próprios valores de uma democracia liberal.

Assistimos a manifestações que incluem grupos para quem a pandemia não passa de uma conspiração orquestrada. Assistimos a uma cultura do medo fomentada pelo governo e por parte de alguns comentadores. E assistimos também a uma permanente pressão que exercem sobre o tecido empresarial que são grandes incentivos à revolta por quem vê a sua vida parada, as suas formas de sustento destruídas e sem expectativas de recuperação. Assistimos também aos extremistas-higienistas que desinfetam as mãos das crianças com álcool gel 10 a 15 vezes por dia, que propõem não beijar os filhos e impedir as crianças de socializar, mesmo sabendo que em algumas idades o risco é praticamente inexistente, roubando assim a sua infância. Todos estes polos deveriam ser apenas exceções. Infelizmente não são. E a pouco e pouco, a linguagem que parece dominante é a dos extremos.

E assim se chega ao “mas”, a conjunção coordenativa de adversidade, que está cada vez mais presente num certo discurso político polarizado que enquista a sociedade. Vários exemplos recentes mostram como a “política do mas” vai conquistando o seu espaço com formas preocupantes, pelos tiques ditatoriais que se insinuam atrás da utilização do “mas”:

“Eu sei que não devia ser obrigatório, mas…“;

“Eu sei que não devia ser obrigatório, mas as outras pessoas não se sabem comportar”;

“Eu sei que não devia ser obrigatório, mas as pessoas não cumprem as regras”.

E assim o espectro da “política do mas” ensombra o discurso politico e tolda o discernimento.

“As pessoas têm liberdade de expressão, mas eu vou monitorizar“;

“Isto viola os direitos individuais, mas…”

“Isto não é constitucional, mas..”

O diploma que aprova a obrigatoriedade de utilização das máscaras em espaço público é repleto de arbitrariedade e pede “bom senso” na intervenção de autoridade. Arbitrariedade e bom-senso, que significam coisas diferentes para diferentes pessoas, não deviam constar destas leis e não são próprios de um Estado de Direito. Por isso o voto da Iniciativa Liberal contra esta lei não significa ser contra o uso responsável da máscara. Foi um voto, infelizmente isolado, assente na confiança da responsabilidade individual e na evidência.

Não há “mas”, nem “meio mas”.

Não, não se podem banalizar os direitos e as liberdades. Não se pode infantilizar os cidadãos. Não se pode perder a racionalidade e o bom senso. Não se pode ignorar a evidência científica. Não se pode ser dominado por posições extremadas e irracionais. Não se pode ser dominado pelo medo. E não podemos nunca, mas nunca mesmo, desvalorizar o perigo que nos espreita por detrás desta “política do mas”.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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