Violência doméstica e abuso sexual: devíamos falar mais sobre isto
Mais de metade dos crimes sexuais em Portugal são cometidos sobre crianças e adolescentes.
Em Julho de 2018 foi divulgada uma Carta Aberta, assinada por 23 organizações da área dos Direitos Humanos, manifestando oposição à presunção jurídica da residência alternada (e não à residência alternada!) para crianças com pais separados.
Este é um tema de direitos das crianças que não pode ser usado como uma pretensa bandeira de igualdade dos pais. Mas por que é que insistimos em falar de violência doméstica e abuso sexual de menores neste âmbito?
Claro que não é afirmado na Carta Aberta que a generalidade dos homens são agressores. Tentar retirar essa elação da Carta Aberta é apenas tentar descredibilizar e condicionar um debate que se quer ponderado.
Mas não trazer a este debate o tema da violência doméstica e abuso sexual de menores é não ter conhecimento da realidade portuguesa. Não podemos continuar a ignorar os números da violência doméstica e do abuso sexual em Portugal: 27.000 participações de violência doméstica em 2017 e em 35% dos casos as ocorrências foram presenciadas por menores. Três mulheres mortas por mês em média nos últimos 13 anos. Três crianças órfãs de mãe por mês em média nos últimos 13 anos. Mais de metade dos crimes sexuais em Portugal são cometidos sobre crianças e adolescentes.
Adicionalmente, apenas uma minoria das famílias recorre a tribunal nas questões de responsabilidades parentais, tipicamente nos casos de maior conflito e com contextos de violência. Tendo estes dados em consideração, a residência alternada não pode ser o regime regra. Tal presunção transferiria para as vítimas a obrigação de a ilidir, num contexto em que só 48 dias após a queixa é que se iniciam as investigações. Num contexto em que os processos crime duram em média três anos.
E a forma como os tribunais de família estão a lidar com esta realidade é referida na Carta Aberta — como se de um mero conflito conjugal se tratasse, ignorando os processos-crime em curso.
Este é um facto grave e bem conhecido das associações subscritoras da Carta Aberta. Juízes de tribunais de família que exigem que seja dada a morada da casa-abrigo na qual mãe e filhos se refugiaram, apenas considerando o superior interesse das visitas do progenitor agressor; que solicitam o levantamento das medidas de coação de proibição de contactos, por considerarem que impede o relacionamento normal (sic!) entre progenitores.
Portugal é signatário da Convenção de Istambul, que reflete precisamente o reconhecimento de não se poder separar os processos de responsabilidades parentais dos processos-crime no âmbito de violência doméstica e abuso sexual de crianças e adolescentes.
Acredito que, tendencialmente, se caminhará para um regime de guarda conjunta com residência alternada repartida, regime já previsto na lei portuguesa se assim for pretendido pela família. Tal irá resultar da evolução social que já se verifica e que vejo à minha volta, nomeadamente nas gerações mais novas e sem necessidade de imposição legal.
Essa é também a posição do Conselho da Europa que, na Resolução 1921, insta os estados a assegurar que a lei preveja custódia partilhada, no interesse da criança, baseada em mútuo acordo, sem nunca ser imposta.
Tal como referido na Carta Aberta, o modelo certo será o que melhor se adeque a cada caso concreto, salvaguardando a segurança, o bem-estar e o superior interesse da criança.
A pergunta que, efetivamente, deveríamos fazer é: por que é que não falamos mais de violência doméstica e abuso sexual?