A autoproclamada Liberlândia “vai ser o país mais livre do mundo”
Estava descontente com os impostos e o papel do governo do seu país. Então, criou um novo: a Liberlândia. Três anos e meio milhão de pedidos de cidadania depois, Vít Jedlicka falou com o P3. A Liberlândia, garante, "vai ser o país mais livre do mundo".
Há três anos nasceu um novo país de sete quilómetros quadrados entre a Croácia e a Sérvia, de nome República Livre da Liberlândia. O “pai” é Vít Jedlicka, um político e analista financeiro checo que quer formar a nação mais livre do mundo, onde os impostos são voluntários e o papel do governo é reduzido ao mínimo indispensável — “pastas” como a saúde e a educação ficam entregues à iniciativa privada. A ideia vendeu bem e, desde a sua criação, já mais de meio milhão de pessoas fizeram o pedido de cidadania online. Mais de 800 são portugueses.
Na entrevista que deu ao P3 aquando do Anarcha Portugal — à margem do qual também falámos com Hélder Valente, o "original gangster" da permacultura —, o autoproclamado presidente fala sobre os desafios territoriais que a Liberlândia enfrenta, sobre o sistema de méritos que quer criar — em que quem paga mais impostos, tem mais direito de voto — e sobre uma economia assente na criptomoeda.
A Liberlândia foi criada há cerca de três anos, no dia de aniversário de Thomas Jefferson, um dos “pais fundadores” dos Estados Unidos. Foi intencional?
Queríamos honrá-lo pelo bem que fez ao formar um dos países mais livres do mundo. É um país que nos inspira muito, mas ainda assim podemos ver que os Estados Unidos estão muito longe daquilo que os seus fundadores gostariam que fosse — não era suposto existirem impostos sobre os salários e o Banco Central não deveria existir. Agora, os Estados Unidos estão a aproximar-se muito da Europa, no que toca ao pagamento de impostos. Uma realidade da qual eles, inicialmente, se quiseram separar, porque não gostavam da Lei do Chá, por exemplo. Nós quisemos evocar o espírito da revolução americana, especialmente numa altura em que os impostos na Europa estão tão altos. As pessoas gastam entre 50 e 60% do que ganham em impostos. Aquilo que estamos a viver é quase uma espécie de escravatura.
Neste momento, ninguém está a viver na Liberlândia devido a problemas territoriais com a Croácia.
A Sérvia disse, desde o início, que não via qualquer problema na criação da Liberlândia, que não faz parte do seu território. Já a Croácia afirma que este pedaço de terra é da Sérvia. Mas a questão é que nenhum dos países reclamou a terra e foi por essa mesma razão que a reclamámos nós. Não vivia lá ninguém e muita gente dizia que aquilo era um pedaço de pântano. E não é, é uma terra com belas praias, mas não tinha grande valor. E nós podemos trazer muito valor não só para aquela terra, mas para toda a região que a rodeia.
Mas, entretanto, já mais de 100 pessoas foram detidas pela polícia croata.
Agora estamos a evitar isso construindo a nossa comunidade na água ao lado da Liberlândia. Temos um restaurante que está a ser renovado, com capacidade para 150 pessoas, que vai ser “estacionado” em frente à Liberlândia. Já lá temos vários barcos-casa e estamos a construir mais. As pessoas que nos querem visitar no Verão já o podem fazer e podem apreciar a vista de uma bela praia de areia branca.
O plano é continuar a construir em barcos?
Sim, para já é o melhor que podemos fazer, sem entrar em conflitos. Entretanto, temos de trabalhar mais na diplomacia e convencer a Croácia de que a Liberlândia é um projecto extremamente benéfico para eles.
Para já, quantas pessoas pediram cidadania?
Neste momento, já vamos em 530 mil pedidos de cidadania e 844 deles são portugueses.
Porque é que acha que a Liberlândia atrai tanta gente?
Porque vai ser o país mais livre do mundo. As pessoas movem-se de países com menos liberdade para países com mais. Foi por isso que tanta gente emigrou da Europa para os Estados Unidos. E é a mesma razão pela qual muita gente do Médio Oriente quer chegar à Europa – porque sentem que o regime é mais livre. Muitos deles também vêm à procura de outros benefícios, mas essa já é outra questão.
Como é que funcionará o sistema de méritos que quer criar?
Na sociedade actual, quando pagas impostos não te é dado nada em retorno. Nem um “obrigado”. E se tu pagas 20 milhões de dólares em impostos tens o mesmo voto que um tipo que roubou um banco e matou três pessoas. O sistema de uma pessoa/um voto pode tornar-se estranho em alguns casos. E nós acreditamos que conseguimos fazer melhor, dando o mérito às pessoas que pagam impostos. Mérito esse que é depois usado para tomar decisões na Liberlândia. Quanto mais mérito tiveres, maior será o impacto da tua decisão. Mas, ainda assim, vamos manter um elemento da democracia suíça em que a maioria dos cidadãos pode vetar as decisões dos detentores de mérito. Ou seja, a maioria da sociedade acaba por fiscalizar os detentores de mérito.
Mas se quem paga mais impostos é quem tem maior poder de decisão, este é um sistema que beneficia os ricos. Porque se eu não tiver tanto dinheiro quanto as outras pessoas e não puder contribuir tanto, o meu voto não vai ter impacto.
Beneficia as pessoas que criaram o sistema de que estás a usufruir. Acho que é completamente justo. Acho que é uma ilusão achares que o teu voto, numa sociedade com 10 milhões, conta alguma coisa. Na realidade, o teu voto não faz grande diferença, é uma ficção. Mas se decidires ser um forte apoiante da Liberlândia, passa a importar. Se fores a principal fonte de financiamento da primeira ponte da Liberlândia, ou a primeira estrada, aí o teu voto tem um maior peso. Ao contrário do que acontece agora, em que pagas imensos impostos e não tiras qualquer benefício disso. Mas também é possível obter mérito através de outras acções, não é só através do pagamento de impostos. Os nossos “embaixadores”, que estão a promover a Liberlândia, ganham mérito por isso. Qualquer pessoa que seja benéfica para o país pode receber mérito.
Para se ser um cidadão da Liberlândia há um mínimo de méritos?
Sim, neste momento são 5000 méritos. Qualquer pessoa que seja cidadão tem de contribuir nesse valor.
E como é que pode fazê-lo, para lá do investimento monetário?
Há pessoas que, no Verão, se tornam voluntárias, ajudam a melhorar a reputação da Liberlândia junto das comunidades locais. Por exemplo, no Verão passado andaram a recolher lixo. Mas também podem começar negócios que promovam a Liberlândia: nos nossos barcos, na Sérvia ou na Croácia. Nós mantemos as pessoas constantemente actualizadas, através do e-mail, para saberem que projectos podem apoiar com o seu tempo e esforço.
Há quem diga que a Liberlândia foi uma nação construída pela Bitcoin. Porquê?
Porque tivemos imenso lucro simplesmente pelo facto de termos guardado todo o nosso orçamento [constituído a partir de doações] em criptomoedas. E a cotação das criptomoedas tem aumentado imenso. A Bitcoin estava a subir mais depressa do que conseguíamos gastar. Mas também há outro elemento, que é o facto de a Liberlândia atrair as pessoas da “cripto-comunidade” porque a maior parte delas procura liberdade. É por isso que temos pessoas como Vitalik Buterin e Roger Wer a apoiarem-nos. Eles gostavam de ver os modelos que estão a construir a serem implementados no mundo físico.
Vai ser um sistema que funciona à base de criptomoedas?
Neste momento, todo o nosso orçamento de Estado está em criptomoedas. É fácil ver o quão bem a criptomoeda se está a sair, é uma forma fantástica de trocar valor. É cada vez mais difícil lidar com os bancos e os estados estão a ter cada vez mais controlo sobre eles. Por exemplo, na República Checa, que é de onde eu venho, o governo destrói negócios com os quais não está politicamente alinhado — e bloqueia as contas deles durante anos. Já o sistema da Liberlândia dá soberania ao indivíduo que o usa, corta os custos e é um sistema alternativo – se não quiseres apoiar o Banco Central Europeu ou o Banco Central dos EUA, tens uma alternativa, que é tecnologicamente melhor. É que o dinheiro actual pode ser impresso a qualquer momento, mas as criptomoedas são limitadas. E isso é algo que melhora a confiança na tua rede.
Falou na República Checa. Decidiu criar um novo país porque estava infeliz com o estado do seu?
No meu país, estava sempre a dizer queria cortar os impostos, as regulações, que queria construir algo como a Suíça, o Liechtenstein, Hong Kong ou Singapura na República Checa. E diziam-me que não era possível, que teria de criar o meu próprio país. Então, eu criei. [risos]
Na conferência falou de uma parceria da Liberlândia com uma aldeia aqui em Portugal.
Sim, há uma nova aldeia que está a ser construída cá por “liberlândios”. O objectivo não é construir algum tipo de zona à parte, especial. É como se fosse uma comunidade de emigrantes que vivem juntos no país em que estão – uma comunidade que se junta e que constrói coisas em conjunto porque partilha dos mesmos valores. Já temos 12 aldeias do género, que cooperam com a Liberlândia, em todo o mundo. Por exemplo, no Panamá, na Noruega, na Tailândia e nas Filipinas. Esta fica a uma hora e meia de distância daqui, no distrito de Coimbra. Foi um dos sítios afectados pelos incêndios. A comunidade já comprou propriedades lá e vai começar a desenvolver-se em breve.
Já disse várias vezes que gostaria de ver mais Liberândias a serem criadas. É possível?
Temos uma cooperação com o Centro Financeiro Internacional do Dubai e estes nossos parceiros pretendem desenvolver um pequeno território num país já existente que será governado por uma lei anglo-saxónica muito simples, com condições de pagamento de impostos mais favoráveis. Acho que seria óptimo se em cada país houvesse um sítio mesmo livre onde os negócios pudessem ser conduzidos num ambiente seguro e legal. Mas não é construir outra Liberlândia. É tentar inspirar outros países a atrair o mesmo tipo de atenção dos investidores que nós atraímos, apenas por oferecerem condições de impostos e de regulação semelhantes às nossas.