Nos 60 anos da Fundação Calouste Gulbenkian
Todas as culturas têm os seus momentos únicos. E Portugal teve um desses momentos na altura da criação da Fundação Calouste Gulbenkian, motor de arte e cultura em Portugal, que celebra este mês os seus 60 anos.
Devemos isso à visão do seu mecenas Calouste Sarkis Gulbenkian, filantropo e homem de negócios de origem arménia, que se fixou em Portugal em 1942, em plena 2.ª Guerra Mundial.
Como muitos que fugiam à guerra nesta altura, também Gulbenkian pretendia embarcar no voo com destino a Nova Iorque, assim como Humphrey Bogart na pele de Rick Blaine, no filme Casablanca. E Lisboa poderia ter sido isso mesmo, um meio para um fim, e foi, só que com um desenlace diferente. Apesar das suas intenções, Gulbenkian acaba por ficar na capital portuguesa, tomado por uma doença repentina, mas, acima de tudo, agradado com a paz que reinava em Portugal durante o conflito.
Estabeleceu residência no Hotel Aviz e instalou-se definitivamente em Lisboa até à altura da sua morte em 1955, mesmo depois do fim da guerra.
O testamento de Gulbenkian permitiu criar a Fundação com o seu nome em 1956, elegendo Portugal para a sua fixação, como forma de agradecimento pelo acolhimento neste momento crítico da Europa.
Este amante de arte reuniu durante toda a sua vida um impressionante espólio de pintura e escultura que, por sua vontade, seriam reunidas num só local em Lisboa. Foi assim criado o conhecido edifício-sede da Fundação, inaugurado em 1969, além de um Centro de Arte Moderna, Biblioteca de Arte e os seus edénicos jardins.
Este edifício, classificado monumento nacional no seu conjunto, obra de três arquitetos portugueses — Alberto Pessoa, Pedro Cid e Ruy Athouguia —, é uma referência da arquitetura em Portugal. Influenciado pela arquitetura de Corbusier e Niemeyer, é um emblemático complexo de edifícios sublimemente integrados na paisagem e no meio do seu parque, autoria de António Viana Barreto e Gonçalo Ribeiro Telles.
Para além de ser um marco da arquitetura, foi igualmente um exemplo a seguir no que toca à maneira como decorreu o desenvolvimento do projeto na relação entre a equipa projetista, arquitetos e arquitetos paisagistas, nos incessantes nove meses de trabalho nos seus ateliers em Lisboa. Atrevo-me a dizer que este foi o primeiro edifício em Portugal onde a arquitetura e o paisagismo foram desenvolvidos simultaneamente, num interessante palco de troca de ideias e de valores arquitetónicos e paisagísticos, onde a criação de paisagem não ocorreu meses ou mesmo anos depois da arquitetura, como é característico em Portugal, mas com uma ligação intrínseca entre as duas áreas, onde se figura uma relação perfeita entre interior e exterior.
Os eixos visuais foram cuidadosamente estudados pela equipa para que a construção tivesse o menor impacto possível na paisagem e, por sua vez, a paisagem foi projetada de forma a estabelecer uma estreita relação com o interior. Ao percorrermos os espaços da sede da Fundação ou do Centro de Arte Moderna, o parque entra pelas suas janelas com todo o seu esplendor, apaziguando-nos a mente e aproximando-nos da paisagem e da estética da natureza, como se de uma tela se tratasse (fazendo-nos quase lembrar a Casa da Cascata de Frank Lloyd Wright).
Da mesma forma, ao deambularmos pelo parque vamo-nos apercebendo dos diferentes planos da paisagem e do edifício de uma forma harmoniosa e, ao mesmo tempo, parece que estamos imersos na natureza, como se de certa forma não nos encontrássemos no meio da “selva urbana” e em pleno coração da capital portuguesa. A integração na paisagem envolvente, como refere Gonçalo Ribeiro Telles, feita através da sua vegetação, é disposta de forma a termos uma ténue perceção da cidade à volta da Fundação, e sentirmos ao máximo a pujança da natureza, envolvendo assim o visitante numa maior experiência de libertação ou escape do extenuante ritmo citadino.
É assim que nos podemos sentir quando visitamos a Fundação, uma fantástica experiência de refúgio natural, um retornar à paz amenizadora que normalmente só encontramos quando nos afastamos das grandes urbes.
Talvez seja essa a razão pela qual, ao deambular pelo parque, encontramo-lo pleno de vida, de encontros fugazes ou prolongados pelo dia inteiro, pleno de identidade e de memórias criadas em família ou entre amigos, de histórias trocadas ao sol e ao vento, de amenidade e de felicidade, e ao mesmo tempo um palco das mais diversas experiências culturais e artísticas. E como há momentos únicos este espaço também é único.
E então celebremos o jardim, a Fundação, no Jardim de Verão, entre artes, cultura, concertos, exposições e workshops. É a memória de uma Fundação, com uma história feliz, 60 anos depois. Sim, porque também há histórias felizes. Arquitecto paisagista
O autor escreve segundo as regras do novo Acordo Ortográfico