O transtorno

Estamos confrontados com uma alteração da estrutura judicial do país que desrespeitou a caracterização socioeconómica dos actuais centros urbanos.

Por Portugal inteiro, amontoam-se processos judiciais pelo chão ou por qualquer espaço disponível, os tribunais transformaram-se em edifícios sem vivalma a perturbar a sua antiga solenidade, os julgamentos são adiados, a tramitação está bloqueada e apenas actos urgentes são realizados com gravação de prova em aparelhos pessoais de duvidosa qualidade, as novas acções são distribuídas electronicamente sem qualquer tipo de rasto na sua maioria, qual o fim deste pesadelo?

Honestamente, ninguém sabe.

Estamos confrontados com uma alteração da estrutura judicial do país que desrespeitou a caracterização socioeconómica dos actuais centros urbanos, ressuscitando-se as capitais dos antigos distritos sem qualquer tipo de suporte real. De igual modo, apregoa-se a especialização, esvaziam-se de competências os tribunais do interior em benefício das antigas capitais de distrito, obrigando-se os cidadãos a percorrer dezenas de quilómetros para fazer valer os seus direitos. Se estes foros de justiça já estavam encravados, neste momento estão literalmente atulhados.

Pior, no programa televisivo Prós e Contras, a prestação do secretário de Estado da Justiça, para além do manifesto e notório desconhecimento da dimensão do problema e da sua solução, demonstrou uma postura que nos leva a reflectir sobre a ética republicana, sobre o dever de servir a causa pública e de governar pelo e para o povo, bem como que rumo está a levar a sociedade nacional e a qualidade dos nossos dirigentes, que apenas nos desperta o espanto e o direito à indignação!

Face a este autêntico atentado ao Estado de Direito, em curso e sem fim à vista, chegou o momento de dizer: basta!

No imediato, o poder político e legislativo deve considerar as posições do Conselho Superior da Magistratura e da Ordem dos Advogados no sentido de declaração do justo impedimento para a prática de actos processuais, com a necessária prorrogação de prazos, procurando evitar-se uma incontrolável entrada de peças em suporte de papel endereçados aos tribunais extintos e aos novos de forma indiscriminada e caótica, que ninguém arquiva por se desconhecer a actual localização dos processos. De seguida, esta equipa governativa, ou outra que seja, tem de ouvir todos os representantes da área, para, em conjunto, se encontrar uma saída que seja credível, consentânea com a informação e desenvolvimento tecnológico da presente era, respeitando os cidadãos que buscam o acesso à Justiça, estabelecendo, assim, uma acção programática com custos económicos definidos e públicos.

O tempo não é para nenhum iluminado ou novo “talento do Pacheco”, o tempo é do agir por quem sabe.

Vice-presidente da Ordem dos Advogados

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