O passado e o presente de Cannes num "site" dedicado às memórias do festival

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"La dolce Vita" foi o filme premiado em 1960 DR

“Caro Frederico. Preciso muito da tua querida presença em Cannes, no meu primeiro festival. Peço-te urgentemente que estejas comigo no domingo. Proponho um encontro num hotel situado nos arredores de Cannes a fim de preservamos o anonimato e tranquilidade. Conto com essas horas da tua afeição. De coração. Maurice Bessy.”

O ano é de 1972 e o destinatário do telegrama transcrito era o cineasta italiano Federico Fellini, cuja presença revelava-se essencial para o então delegado-geral do Festival de Cannes, Maurice Bessy, que queria ver Fellini no balneário francês para a apresentação do seu novo filme, “Roma”, exibido fora de competição.

Este telegrama é um dos preciosos documentos que o “site“ da Biblioteca do Filme (braço da Cinemateca Francesa) disponibilizou, permitindo dar uma “espreitadela”, - "un coup d’oeil" como diriam em Cannes”- aos bastidores do maior festival de cinema do mundo. O site reúne reproduções de cartazes da apresentação, publicidade, fotografias de actores e realizadores, os filmes premiados nesse ano, documentos e cartas de pessoas envolvidas no festival, com todo um espólio digital que envolve o visitante na atmosfera do festival, que hoje se inica.

Entre os preciosos “achados”, é possível ver por exemplo a caligrafia de Marcel Pagnol, o escritor de “Le Temps des Secrets”, que numa carta escrita em 1972 expressa o seu agradecimento em ter sido eleito presidente dos júri desse ano. Pode-se também contemplar os cartaz dos filmes eleitos no respectivo ano, como “La Dolce Vita” (1960) que aparece traduzido para francês "La Douceur de vivre", ou o filme vencedor na categoria de desenho animado, “Dumbo” (1947), numa paleta de cores primárias que ilustram o filme do elefante voador.

Entre os documentos escritos o visitante pode ter acesso a cartas formais, como a escrita pelo Governo francês em1939 para informar a criação do festival de Cannes, ou simples bilhetes de agradecimento, como o deixado por François Truffaut a Robert Favre Le Bret, presidente do festival em 1973, na noite da bem-sucedida exibição de “A Noite Americana”.

Um festival adiado pela II Guerra Mundial

Falar de Cannes, não é apenas falar de "glamour" ou de cinema. É também falar da II Guerra Mundial e da sua ligação com a história do festival. Pensado pela Associação Francesa de acção Artística, Cannes surgiu da recusa do Governo francês em participar no Festival de Veneza - tomado pelos ideais nazis -, a fim de criar a sua própria mostra cinematográfica, como se pode ler a carta de 1939, no "site" dedicado às memórias de Cannes: “O Governo decidiu não participar mais na Mostra Internacional de Cinema Veneza e de escolher (para a realização) uma cidade entre entre Biarritz, Cannes e Nice”.


A I edição de Cannes, prevista para1938, teve de ser adiada para o final da Guerra, em 1946. O festival surgiu assim da necessidade de um “cinema que tem de salvaguardar a liberdade, que faça a sua força, e tem de procurar um novo festival, um festival modelo, o festival do mundo livre”.

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